domingo, 17 de agosto de 2014

POR QUE SÓCRATES E POR QUE PLATÃO

                                                 O MAIS PRECIOSO NESSES PENSADORES, QUE
                                    NESSE PONTO NÃO SE OPÕEM, É A INQUIETAÇÃO DE UM
                                    PENSAMENTO QUE NÃO FAZ O BEM NEM QUER O BEM
                                                       Por Michel Schneider, para a Le Point

      Será que esse filósofo que morreu há 23 séculos tem mesmo alguma coisa a me dizer? Afinal de contas ele não gosta nem de música (A República), nem da democracia (As Leis), nem das mulheres (em seus diálogos, ele só dá a palavra a uma delas, Diótima, no fim do Banquete). Não gosta nem mesmo da realidade, pois o primeiro psicanalista de plantão seria capaz de contestar as afirmações idealistas do Górgias de que "ninguém é deliberadamente mau", ou "quem comete  uma injustiça é mais infeliz do que quem sofre", ou "o malvado que não foi punido sofre mais do que aquele que recebeu o seu castigo". E o que é que eu tenho a ver com aquela idéia totalitária, que voltou a florir em maio de 1968, de que "tudo é política"?
       Nenhum saber atual, nenhum valor seguro, nenhuma conduta possível: não retiro dele nada de útil. Mas há Platão e as suas confrontações de pontos de vista entre filósofos, descritos como se fossem personagens de teatro; e há Sócrates, essa voz única, que diz uma coisa simples e terrível: "Pensar faz mal, mas não pensar é fazer o mal." Sócrates contra Platão? Sim, porque, apesar da Apologia e dos primeiros diálogos das Leis, Sócrates teria sido perseguido. Mas com o que será que os dois contribuem para quem quer pensar o  nosso tempo?
        Tomemos os fatos políticos e sociais. Nas últimas eleições, a França estava dividida entre uma "escolha da sociedade" (Juppé) e um "debate de civilização" (Jospin). Nada mais, nada menos! É uma caso de platonismo político, que delega ao Estado a fabricação do cidadão virtuoso. Mas, tranquilizados, ficamos sabendo hoje que se tratava apenas de decidir se aumentaríamos o imposto sobre as associações ou se baixaríamos de meio ponto a TVA (taxa sobre o valor agregado). Platão teria criticado essa concepção tecnocrática de um Estado que só visa à prosperidade (Cármida), mas Sócrates teria sorrido, pois não era aquilo que hoje costumamos chamar de intelectual. É claro que ele não fugia da raia, mas não tomava o partido da multidão nem o da elite, não tinha a pretensão de usar sabedoria para aconselhar os poderosos, não aspirava a governar os homens, apenas a ajuda-los a dizer o que são e o que fazem, o que querem e o que pensam.
                                                                 continua na próxima postagem......
Texto tirado do Jornal da Tarde
Caderno de Sábado JORNAL DA TARDE - 5
Sábado - 21-2-98
Esse jornal pertencia ao "O Estado de São Paulo"
 

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