sábado, 23 de agosto de 2014

Por que Sócrates e por que Platão (04)

Seria demais pedir aos pensadores que parassem de nos aborrecer com os seus bons sentimentos e suas boas intenções, e se contentassem em denunciar os julgamentos apressados, as idéias que nunca são reexaminadas e, por isso, nos impedem de pensar? Se o fizessem, estariam  nos ajudando a nos livrarmos do que há de mau em nós, as opiniões, e não estariam querendo nos tomar bons nos oferecendo a verdade (O Sofista).
    Oferecer a alguém um pensamento é sempre dispensá-lo de pensar por conta própria. O pensamento começa ali onde o saber acaba. Porque será que, ao serem entrevistados, nenhum político e, infelizmente, muito poucos intelectuais ousam responder: "Não sei." A tal ponto que a sua pretensão acaba fazendo deles o oposto de Sócrates, que Platão nos mostra na nudez de seu pensamento quando, desfeito de todos os troféus da crença e do saber, ele afirma: "Tudo o que sei é que nada sei." (Apologia de Sócrates). Os políticos sabem tudo. Quanto a nós, o embaraço e a perturbação estão nos pegando o tempo todo. O pensamento não é. Ele nasce sem parar. Da bobagem, da ignorância, da separação, do sofrimento. Para mim, o que é mais precioso em Platão e Sócrates (que, nesse ponto, não se opõem) é a inquietação de um pensamento que não me faz o bem e nem quer o bem para mim,
    E, no entanto, a perturbação que esse pensamento semeia, o saber que ele demole, as bobagens consoladoras que ele faz em cacos, elevam-nos rumo ao Bem. Hannah Arendt dizia que a ausência do pensamento está sempre na raiz do Mal. É em razão de sua inatualidade, de sua exigência atemporal de que a gente pense, que Platão se torna atual. É pelo não-engajamento ("Não faço parte dos políticos, Polos") que Sócrates se mantém até hoje no mais radical dos engajamentos.

Texto tirado do jornal: JORNAL DA TARDE - 5
Caderno de Sábado
Sábado - 21-2-98
Jornal da Tarde pertencia ao jornal "O Estado de São Paulo"

UMA BOA LEITURA: Apologia de Sócrates
                    Críton
                    Textos Clássicos - 20
                    Platão
                    Manuel de Oliveira Pulquério
                    introdução, versão do grego e notas
                    Instituto Nacional de Investigação Científica
                    Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de
                    Coimbra
                    : Platão
                    A República
                    Tradução de Enrico Corvisieri
                    Editora Nova Cultural Ltda.
                                         

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