Arte - A gente pensa: "Se eu pudesse chegar a este ponto na primeira tentativa, sem muita luta, não poderia ser ainda melhor?" Mas, embora o reescrever - e o reler - pareçam um esforço, na realidade são as partes mais prazerosas da arte de escrever. Às vezes, são as únicas partes que dão prazer. Se a gente tem idéia de "literatura" na cabeça, a decisão de escrever é uma coisa terrível, atemorizadora. Um mergulho num lago gelado. Depois vem a parte quente, quando a gente já tem algo para trabalhar, para melhorar, para editar.
Digamos que é uma confusão.
Mas a gente tem a chance de arrumá-la.
Você tenta ser mais claro. Ou mais profundo. Ou mais eloquente. Ou mais excêntrico. Tenta ser verdadeiro para todo o um mundo.
Quer que o livro seja mais espaçoso. Quer arrancar o livro de si próprio.
Quer extrair o livro de sua mente teimosa. Como a estátua está encerrada dentro do bloco de mármore como num túmulo, o romance está dentro de sua cabeça. Você tenta libertá-la. Tenta fazer com que essa coisa que está na página se aproxime o máximo possível daquilo que, no seu pensamento, o livro deveria ser - daquilo que, nos espasmos de seu entusiasmo, você acha que ele pode ser. Você lê as frases uma e outra vez. É este o livro que eu estou escrevendo? Isso é tudo? Ou digamos que está indo bem, porque às vezes a coisa vai bem (se não vai bem durante algum tempo, você fica louco da vida).
Bem, você está em ação e, mesmo que você seja o mais lento dos escribas e o pior dos datilógrafos ou digitadores, uma "trilha" de palavras está sendo feita e você quer continuar ; e então você relê o que está escreveu. Talvez não se atreva a ficar satisfeito, mas, ao mesmo tempo, você gosta do que escreveu. Percebe que está sentindo prazer - o prazer de um leitor - diante daquilo que está na página. Escrever é finalmente uma série de permissões que você concede a si próprio para se expressar de alguma forma.
Para inventar. Para voar.
Para cair. Para descobrir sua própria maneira, característica de narrar e insistir, isto é, para encontrar sua própria liberdade interior. Para ser rigoroso sem se "esfolar" demais. Para não parar com muita frequência para reler o que escreveu. Para autorizar você mesmo a ir simplesmente em frente, quando se atreve a pensar que está indo bem (ou não tão mal). Sem precisar esperar o empurrão da inspiração.
continua na próxima postagem...
Texto tirado de CADERNO DE LEITURA2/CULTURA - D5
De "O ESTADO DE SÃO PAULO"
DOMINGO, 29 DE JULHO DE 2001