sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

CINEMA E POESIA (06)

     continuação.....
     Ainda recentemente, no filme Homens Brancos Não Podem Enterrar (White Men Can't Jump), de 1992, de Ron Shelton, durante um jogo de basquete, um negro, aplaudindo uma grande jogada grita: "Uma coisa bela é um prazer eterno - John Leats disse isso, cara!"
     Filme algum, no entanto, deu à poesia destaque de tal importância quanto Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poet Society) de Peter Weir. O filme, que se passa no fim da era Eisenhower, em 1959, faz do ensino de literatura uma metáfora da libertação espiritual e leva o professor-herói, vivido por Robin Williams, a sugerir que seus alunos, de uma escola particular da Nova Inglaterra, a ele se dirijam por meio de uma exortação de Walt Whitman.
     Na fita de Woody Allen Ana e Suas Irmãs (Hannah and Her Sisters), Michael Caine compra para sua cunhada (Barbara Hershey) os poemas completos de e.e.cummings, como prova de apreço e instrumento de sedução, chamando a atenção da cunhada para o poema: "Seu olhar mais leve facilmente/ me abrirá/ Conquanto eu tenha me fechado/ como dedos/ A mim você sempre abre pétala por pétala."
     Ao longo da história do cinema, muitos tentaram escrever diálogos poéticos originais. Nos muitos roteiros que escreveu para Marcel Carné e Jean Renoir, o poeta Jacques Prévert usou e abusou da tentação. Revendo hoje as fitas do chamado cinema clássico francês, anos 30 e 40, como, só para citar um exemplo, Os Visitante da Noite (Les Visiteurs du Soir) de Carné, com roteiro de Prévert, uma alegoria pesadona e postiçamente sombria da França ocupada, chega-se ao fim atacado de logorréia, tal a avalanche de palavrório pseudopoético, sussurrado entre gestos artificiosos. 
     Os franceses, de Prévert a Godard, nunca perderam esse viés. É o único cinema em que as legendas chegam a ocupar três linhas da tela, tanto se fala no filme francês, frequentemente bobagem metida a poesia e filosofia, e que derretemos basbaques d'além-mar. Quem não se lembra de Lemmy Caution, interrogado pelo computador no Alphaville,  de Godard: "Você sabe o que transforma a noite em luzes? A poesia."

                                                                                       Assef Kfouri é jornalista

Texto extraído de " Jornal da Tarde"
      - CADERNO DE SÁBADO -
Data: - Sábado - 16-8-97
JORNAL DA TARDE - pertencia ao jornal " O ESTADO DE SÃO PAULO "

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