Sábado - 16-8-97 JORNAL DA TARDE - 1
C I N E M A E P O E S I A
Os dois têm caminhado juntos nesses 100 anos de existência da arte cinematográfica
Por Assef Kfouri
Quando o cinema surgiu, há cem anos, a poesia já tinha atrás de si a poeira de séculos. Vivia seu fastígio, sobretudo na França, onde os irmãos Lumière aperfeiçoavam uma engenhoca a manivela capaz de captar e projetar sobre uma tela a vida tal como ela é.
De uma forma ou outra, poesia e cinema têm caminhado juntos nestes cem anos, como se verá. É verdade que tais núpcias não foram imediatas nem amorosas, salvo exceções. As elites intelectuais levariam décadas, grosso modo, para aceitar, compreender e finalmente se render à arte do cinema.
O influente crítico de teatro nova-iorquino George Jean Nathan, em 1921, via o cinema (já então com três décadas de existência), sobretudo o produzido em Hollywood, como "o mais eficientes veículo de idiotia de que se tem notícia, controlado pela escória de imigrantes, por chupadores de palitos e por ruidosos sorvedores de sopa".
Invariavelmente os pedantes terminam como pedintes da história. Naqueles tempos, preciosos ridículos como Nathan, estufados de cultura livresca e azedos de racismo e preconceito, não enxergavam outra virtude no cinema senão a de ser réplica do circo romano, no qual as massas podiam ser entretidas e ter sua "natural" agressividade descarregada.
Feitos por imigrantes para imigrantes, os filmes da América, como de resto em todo o mundo, estavam longe, é claro, de atingir as alturas da poesia de um Mallarmé, do teatro de um Ibsen ou do romance de um Joyce, embora a ironia destinasse ao autor de Ulysses a inglória de ter sido o proprietário do primeiro cinema de Dublin.
A verdade, no entanto, e o tempo se incumbiria de demonstrá-la, é que o cinema americano, ao fugir da cosmopolita Nova York para a longínqua Califórnia (desértica por natureza e deserdada, na época, pela distância, da cultura europeizada de Manhattan), iria assim, e só assim, poder, pelas mãos de imigrantes incultos e chupadores de palitos, inventar uma linguagem, construir uma sintaxe, forjar uma dinâmica inequivocamente cinematográfica. Enquanto na Europa o cinema, tomado de assalto logo cedo pelos intelectuais e acuado por densa tradição literária teatral e pictórica duas vezes milenar, produziria, como ainda produz em grande medida, filmes "a-cinematográficos", que pulsam num timing em descompasso com a cadência específica deste século, que só a arte "cinematográfica" está capacitada a apreender.
continua na próxima postagem......
Texto extraído do Jornal da Tarde
Do dia - Sábado - 16-8-97
Jornal da Tarde pertencia ao "O Estado de São Paulo"
De uma forma ou outra, poesia e cinema têm caminhado juntos nestes cem anos, como se verá. É verdade que tais núpcias não foram imediatas nem amorosas, salvo exceções. As elites intelectuais levariam décadas, grosso modo, para aceitar, compreender e finalmente se render à arte do cinema.
O influente crítico de teatro nova-iorquino George Jean Nathan, em 1921, via o cinema (já então com três décadas de existência), sobretudo o produzido em Hollywood, como "o mais eficientes veículo de idiotia de que se tem notícia, controlado pela escória de imigrantes, por chupadores de palitos e por ruidosos sorvedores de sopa".
Invariavelmente os pedantes terminam como pedintes da história. Naqueles tempos, preciosos ridículos como Nathan, estufados de cultura livresca e azedos de racismo e preconceito, não enxergavam outra virtude no cinema senão a de ser réplica do circo romano, no qual as massas podiam ser entretidas e ter sua "natural" agressividade descarregada.
Feitos por imigrantes para imigrantes, os filmes da América, como de resto em todo o mundo, estavam longe, é claro, de atingir as alturas da poesia de um Mallarmé, do teatro de um Ibsen ou do romance de um Joyce, embora a ironia destinasse ao autor de Ulysses a inglória de ter sido o proprietário do primeiro cinema de Dublin.
A verdade, no entanto, e o tempo se incumbiria de demonstrá-la, é que o cinema americano, ao fugir da cosmopolita Nova York para a longínqua Califórnia (desértica por natureza e deserdada, na época, pela distância, da cultura europeizada de Manhattan), iria assim, e só assim, poder, pelas mãos de imigrantes incultos e chupadores de palitos, inventar uma linguagem, construir uma sintaxe, forjar uma dinâmica inequivocamente cinematográfica. Enquanto na Europa o cinema, tomado de assalto logo cedo pelos intelectuais e acuado por densa tradição literária teatral e pictórica duas vezes milenar, produziria, como ainda produz em grande medida, filmes "a-cinematográficos", que pulsam num timing em descompasso com a cadência específica deste século, que só a arte "cinematográfica" está capacitada a apreender.
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Texto extraído do Jornal da Tarde
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