Como escrevo em nome desses três?....
Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstrata, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterônimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterônimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afetividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de "ténue" à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer "eu próprio" em vez de "eu mesmo", etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado.
O difícil para mim é escrever a prosa de Reis - ainda inédita - ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.
( Excerto de uma carta de Fernando Pessoa dirigida
a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem dos seus
heterônimos. Publicada na revista "Presença", nº 49,
Junho, 1937 ).
Texto extraído do livro: POESIAS de Álvaro de Campos
OBRAS COMPLETAS DE FERNANDO PESSOA
COLEÇÃO POESIA * EDIÇÕES ÁTICA
Lisboa
Março de 1980
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