sábado, 26 de abril de 2014

 D6-O ESTADO DE S.PAULO  CADERNO2/CULTURA   DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2001
                                                        MERCADO CULTURAL


                                                      REVISTA DAS REVISTAS
                                           As fraquezas da crítica e a força da poesia

Conferências atacam os críticos e mostram como autores viraram originais
MOACIR AMÂNCIO

A prática da crítica pode, maldosamente, ser considerada atividade exercida sobretudo por gente que sofre do fígado e acaba fazendo da birra a própria cara que se vai tornando cada vez mais feia - pelo menos do ponto de vista dos criticados.
Ora, nem sempre os críticos deixam de ter razão, mesmo quando elogiam a vítima. De qualquer modo, há aqueles casos horríveis, de inopinadas explosões, que deixam meio mundo com medo. A descarga de bílis pode ser tão pesada que arrasa um virtual grande talento para o resto da vida. O britânico Harold Pinter disse que a crítica contra um dos seus primeiros, ou o primeiro texto teria livrado o mundo de algumas obras primas teatrais (isso ele não disse), se um artigo providencial não tivesse sido a táboa de salvação. É mais um caso do autor indefeso à mercê das carantonhas vociferantes. Mas por que tanta fúria e tantas vezes contra obras que de repente se revelam inovadoras?
       Edward Mendelson, ao escrever sobre The Strenght of Poetry, série de conferência de James Fenton ( Book Review, dia 15), fornece a pista que pode nos explicar a reação diante do ainda incompreensível - brilhantemente analisada, como momento privilegiado por Anton Erehnzwig em A Ordem Oculta da Arte. Em duas resenhas, Mendelson registrou a reação raivosa, a ofensa "além de qualquer proporção imaginável". Mendelson explica: " A fúria intelectual geralmente parece ser uma forma de defesa contra conhecimento intolerável. (...) O que é que eles tão urgentemente querem ignorar?" A pergunta vale por si própria como resposta cristalina.
      Bem, mas o artigo de Mendelson, sobre poesia, tem o seguinte título: O pessoal é poético. Um título com todo o jeito de lugar comum. E é isso mesmo, um lugar comum, mas dos bons pelo simples fato do que são necessários. Sim, o estritamente pessoal e poético:,  o desencanto e a ironia de Drummond, o lúdico em Borges, a percepção do caos em Murilo Mendes, o delírio em Rimbaud, o sereno desespero em Cecília Meireles, etc. É aí, desses pontos pessoais inalienáveis que vem a poesia de cada um, da qual nós leitores compartilhamos sempre que o autor afunda tanto em si mesmo que sai do outro lado, arlequinal, É daí que vem a força poética. No entanto, essa força resulta da fraqueza e também do que as pessoas consideram, digamos, pequenas ou mesmo grande falhas de caráter.
     "A força da poesia, como James Fenton a percebe, depende da fragilidade dos poetas. Suas conferências sobre escritores do século 20, de Wilfred Owen e Marianne Moore até Sylvia Plath e Seamus Heaney, são tributos aos ardis e confusões, à teimosia e estranhezas que formam a voz única de cada poeta. Ao assumir que Fenton descreve como humilhações e fracassos, pela recusa a planejar seus caminhos para o êxito, esses poetas  se liberam para escrever para escrever de maneiras que falam aos seus leitores, como eles jamais poderiam fazer numa forma
convencional de potência." 
      Além disso, pode ocorrer que a força poética decorra de situações nada poéticas, o que parece implicar numa crítica à visão da poesia como algo exclusivamente livresco: "Fenton é mais impressionado por poetas quando eles são menos marcados pela poesia, especialmente a deles mesmos. Winfred Owen escreveu os seus melhores poemas quando estava distraído da intemporalidade de sua arte por "uma importante tarefa do aqui e agora: a tarefa de prevenir e ser realista a respeito da guerra. "D.H.Lawrence, no melhor da sua poesia, "não está interessado em arte. Mas ele está interessado em liberdade".

Texto tirado do jornal " O ESTADO DE SÃO PAULO " - CADERNO/CULTURA
Publicação: Domingo, 22 de julho de 2001
Autor: Moacir Amâncio
Nota: Esse artigo pode ser conferido acessando o acervo de " O ESTADO DE SÃO PAULO", do dia 22 de julho de 2001.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário