JORNAL DA TARDE
Drummond
Especial
SÃO PAULO, QUARTA-FEIRA, 30 DE OUTUBRO DE 2002
O POETA QUE CULTIVOU A ROSA DO POVO
GERALDO MAYRINK
JT/AE
Carlos Drummond de Andrade há 100 nasceu e tomou conta da literatura em língua portuguesa com seu lirismo, com uma incrível versatilidade e com a aguda percepção do que era novo e moderno
O caminho de Carlos Drummond de Andrade estava escrito nas estrelas, na cauda raivosa de um cometa montado por um anjo torto. Aos 15 anos, ele sonhava com o melhor dos mundos e escreveu numa folha de caderno:
Uma onda veio, mansamente,
espreguiçar-se nas praias,
numa carícia dolente.
Muitos anos depois, este caminho o levava à beira de um abismo e a mesma mão gravou em outra folha de papel:
Ganhei (perdi) meu dia
E baixa a coisa fria
Também chamada noite,
e o frio ao frio
Em bruma de entrelaça num
suspiro
E me pergunto e me respiro
Na fuga deste dia que era mil
Para mim que esperava
Os grandes sóis violentos me
sentia
Tão rico neste dia
E lá foi secreto, ao serro frio
Perdi minha alma à flor do
do dia, ou já perdera
Bem antes sua vaga pedraria?
O menos místico, talvez o menos religioso dos poetas brasileiros não tirava os olhos do infinito. O Halley, o mais notável dos cometas periódicos ( pois aparece a cada 76 anos), marcou os primeiros anos do poeta não periódico na galáxia da lira brasileira que ele escreveu o poema O Cometa. "A descrição do céu me fascina", observou. "Serei astrônomo na idade provecta, nasci para isto e não sabia. Meus olhos viajarão e explorarão corpos estrelares infinitos e morrerei copermicamente doutor em galáxias. "Achou que era o fim do mundo:
Olho o cometa
Com deslumbrado horror
de sua cauda(....)
O sentimento crava unhas
Em mim: não tive tempo
Nem mesmo de pecar
ou pequei bem?
O menino nada podia contra o universo, mas tentou domá-la com palavras e assim se tornou parte dele, no seu lado mineral, pétreo, aquoso - entre uma onda, a "a coisa fria", a "noite", os "sóis violentos", a "vaga pedraria". Não poderia ser diferente. "Eu era uma pessoa inadaptada à vida social, não sabia como me explicar", disse ele na maturidade. E não era para ter sido assim, segundo o senso comum. Carlos era o nono filho de um fazendeiro e político, um "coronel" daqueles bons, de outrora, Carlos de Paula Andrade, e de Julieta Augusta Drummond, do lar. Ele (morto em 1931) era severo, orgulhoso, autoritário, corajoso e viril, descendente remoto de uma casta de nobres portugueses que incluíam donos de terra ladrões e assassinos. Ela (morta em 1948) era tímida, preocupada apenas com os afazeres domésticos, e descendente remota de nobres escoceses sanguinários que barbarizavam e saqueavam as terras dos vizinhos ( o próprio poeta, que fez uma pesquisa sobre suas origens, desistiu de saber mais).
Tudo ia bem no seu currículo escolar até que o expulsaram do Colégio Anchieta, de Nova Friburgo (RJ), para onde o pai o mandou como interno. Ganhou nota 4 em português, "por comiseração", conforme achou, "porque os jesuítas daquele tempo eram diabólicos". Tinha 17 anos. Escreveu uma carta reclamando que deveria ter recebido nota ainda mais baixa e os padres ficaram indignados com sua "rebeldia de espírito". As consequências foram enormes para o aluno. "Num certo sentido, liquidaram com a minha vida, escreveu depois. "Perdi a fé. Perdi tempo. E sobretudo perdi a confiança na justiça dos que me julgavam. Nunca mais fiz um curso regular na vida. Se tivesse tido uma formação cultural mais completa, acredito que pudessem me chamar razoavelmente de escritor."
Continua na pag. 4
OBSERVAÇÃO: O Jornal da Tarde publicou nessa data um especial com 8 páginas...
Eu acho que vale a pena conferir.......
O especial foi publicado em 30 de outubro de 2002 - JORNAL DA TARDE-