BANHO DOS BÚFALOS
NA água viscosa, cheia de folhas,
com franjas róseas da madrugada,
entram meninos levando búfalos.
Búfalos negros, curvos e mansos,
- oh, movimentos seculares! -
odres de leite, sonho e silêncio.
Cheia de folhas, a água viscosa
brilha em seus flancos e no torcido
esculturado lírio dos chifres.
Sobem e descem pela água densa,
finos e esbeltos, por entre as flores,
estes meninos quase inumanos,
com o ar de jovens guias de cegos
- oh! leves formas seculares -
tão desprendidos de peso e tempo!
O dia límpido, azul e verde
vai levantando seus muros claros
enquanto brincam na água viscosa
estes meninos, por entre as flores,
longe de tudo quanto há no mundo,
estes meninos como sem nome,
nesta divina, pobreza antiga,
banhando os dóceis, imensos búfalos.
- Oh, madrugadas seculares!
pag. 26/27
De Poemas escritos na Índia. - A antiguidade da cena dos meninos que transformam em folguedo o banho dos animais é marcada pelo emprego do adjetivo "seculares": vai ele aplicado ora aos búfalos, ora às crianças, ou, ainda, ao momento em que se repete a cena. O ritmo vagaroso dos versos acentuados em quarta e nona sílabas procura ressaltar a marcha cadenciada dos pesados animais. Note-se que em três versos é usado o octossílabo: naqueles em que o poeta proclama a antiguidade da cena.
Poema extraído do livro:
Seleta em Prosa e Verso
de
Cecília Meireles
de
Cecília Meireles
Seleção, notas e apresentação de
DARCY DAMASCENO
3ª Edição
3ª Edição
Rio/1978
Livraria José Olympio Editora