sábado, 27 de fevereiro de 2016
FERNANDO PESSOA.... (03)
Redemoinha o vento,
Anda à roda o ar.
Vai meu pensamento
Comigo a sonhar.
Vai saber na altura
Como no arvoredo
Se sente a frescura
Passar alta a medo.
Vai saber de eu ser
Aquilo que eu quis
Quando ouvi dizer
O que o vento diz.
pag. 164
Poesia extraída do livro: POESIAS
de
FERNANDO PESSOA
Obras Completas de Fernando Pessoa
Coleção Poesia * Editora Ática
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
FERNANDO PESSOA..... (02)
O que dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão....
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.
São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.
pag. 170
A poesia foi extraída do livro: POESIAS
De Fernando Pessoa
OBRAS COMPLETAS DE FERNANDO PESSOA
Coleção Poesia - Edição Ática
sábado, 20 de fevereiro de 2016
FERNANDO PESSOA......(01)
Ao longe, ao luar,
No rio uma vela
Serena a passar,
Que é que me revela?
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.
Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.
pag. 107
Poesia extraída do livro: P O E S I AS
de FERNANDO PESSOA
OBRAS COMPLETAS DE FERNANDO PESSOA
11ª Edição
Edições Ática
Lisboa
Abril de 1980
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
A PRIMEIRA HSTÉRICA DA LITERATURA (05)
continuação.....
CONFIDÊNCIA
CONFIDÊNCIA
Emma questiona suas leituras e sua educação, tenta conversar com Charles, fala a sua cachorra; suas confidências, tê-las-ia feito às achas da lareira e ao pêndulo do relógio". Sem ousar declarar sua paixão por Léon, Emma resolve falar com Bournisién, o pároco, que mais preocupado com os moleques do catecismo e "as vacas com inchaço", mais propício a recorrer aos remédios de Charles Bovary do que a oferecer sua escuta, entra na igreja e deixa Emma sem resposta. Rodolphe vai resolver a situação a seu modo, Léon lhe sucederá, mas Emma nunca terá uma verdadeira resposta. Faltava Freud que aprendeu com Bertha Pappenheim, a cura pela fala e a posição de escuta do analista. É nesse sentido que Emma Bovary é a primeira histérica da literatura. Não havendo ninguém para responder a suas perguntas que giravam em torno da questão fundamental "O que é ser mulher?", ela é impelida a confundir paixão e saber, o que a leva à morte.
#MADAME BOVARY, de Gustava Flaubert. Editora Nova Alexandria. 431 páginas.
O autor é professor de Literatura Francesa na USP
Texto extraído de Caderno de Sábado
Jornal da Tarde
Data: Sábado - 22/5/93
Jornal da Tarde pertencia ao jornal " O ESTADO DE SÃO PAULO "
sábado, 13 de fevereiro de 2016
A PRIMEIRA HISTÉRICA DA LITERATURA (04)
continuação....
Emma resiste a esse mundo e suas divisões por meios mais próximos da introspecção do que da ação: abolir o corte entre as leituras e esta realidade - queria como as heroínas dos romances "casar-se à meia-noite à luz de tochas"; eliminar se possível a divisão social - no camarote do teatro "arqueou o corpo com a desenvoltura de uma duquesa"; apagar a diferença entre sonho, devaneio e vida real como já foi comentado acima; esquecer - "sua vida passada, tão nítida até então, desvanecia-se inteiramente e ela quase duvidava de tê-lo vivido /..../ não havia mais que sombra estendida sobre todo o resto." A maioria desses meios decorre de um trabalho da imaginação baseado na imitação de personagens de ficção ou reais, na ausência de referências ou na recusa de um passado. Há uma vontade de voltar à estaca zero, de remodelar ou de reconstruir bem parecida ao estado do analisando no decorrer da cura. Depois do casamento, uma angústia começou a trabalhar a heroína: "antes de casar, ela julgava ter amor; mas como a felicidade /.../ não viera, ela deveria ter-se enganado, pensava. Emma procurava saber o que se entendia exatamente, na vida, pelas palavras felicidade, paixão, embriaguez que lhe haviam parecido tão belas nos livros".
continua na próxima postagem......
Extraído do Caderno de Sábado
Jornal da Tarde
Data: Sábado - 22/5/93
Jornal da Tarde pertencia ao "O ESTADO DE SÃO PAULO"
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
A PRIMEIRA HISTÉRICA DA LITERATURA (03)
continuação......
Em 1992, Bourdieu lançou um livro fundamental para a compreensão da arte flaubertiana que fortalece, em parte, a interpretação de Genette. Sem filiar-se religiosamente a nenhum movimento, Flaubert se insere entre partidários da arte social e da arte pela arte contra a arte burguesa ou comercial. Como Frédéric da Educação Sentimental, "Flaubert não consegue levar o real a sério". A vida sendo ficção, todas as manifestações da vida são fictícias e dependem de acordos para se tornarem reais. Com a escritura de Madame Bovary, Flaubert renova a pergunta filosófica fundamental sobre a realidade objetiva ou idealista e encara tudo como ficção com as devidas consequências para sua heroína.
ILUSÃO COLETIVA
Confusão de registros na personagem, realismo excessivo do narrador ou opção estética do escritor? Diria que a mesma lógica explica os três níveis de resolução. Entretanto na ficção, o escritor elabora um mundo sui generis em que as categorias de realidade, e não realidade não funcionam; essa distinção faz parte da mesma ilusão coletiva de que o autor como tal não compartilha. Se "A primeira qualidade da Arte e seu alvo, é a ilusão" (9/1853), entendemos a constatação anterior de Flaubert "Terei feito o real escrito"(8/1853). O único medidor do que é real ou não, é o próprio autor. As observações de Genette, embora excelentes, partem da ilusão coletiva da verossimilhança e misturam ficção e realidade. A leitura sociológica de Bourdieu talvez seja mais correta porque adota o ponto de vista de Faubert através das personagens Frédéric e Emma. Neste quadro ficcional de Madame Bovary, Emma torna-se portanto, a única personagem capaz de quebrar as fronteiras. Vive em um mundo já construído semelhante ao mundo real do século XIX, com suas divisões sociais, sua pedagogia, seus costumes, seus meios de locomoção, suas ideias feitas e suas esperanças.
continua na próxima postagem.....
Extraído de "Caderno de Sábado"
Jornal da Tarde
Data: - Sábado - 22/5/93
Jornal da Tarde pertencia ao jornal: "O ESTADO DE SÃO PAULO"
continua na próxima postagem.....
Extraído de "Caderno de Sábado"
Jornal da Tarde
Data: - Sábado - 22/5/93
Jornal da Tarde pertencia ao jornal: "O ESTADO DE SÃO PAULO"
sábado, 6 de fevereiro de 2016
A PRIMEIRA HISTÉRICA DA LITERATURA (02)
continuação.....
PAIXÃO E ÓDIO
PAIXÃO E ÓDIO
A famosa comparação da conversa de Charles "plate comme un trottoir", sem relevo como uma calçada" confirma o que Flaubert dizia 1852: "Acreditam que estou apaixonado pelo real enquanto eu o odeio: porque é o ódio do realismo que cultivei nesse romance". A numerologia exata, mas irreal: 46 dias para a cura, 75 francos para o tratamento de Rouault, 19 minutos para esperar o "sim" de Emma, 43 pessoas no casamento, etc., sublinha essa recusa do realismo e leva o leitor a se perguntar: o que queria Flaubert? Emma sugere uma resposta. Perseguida pels lembrança do baile de Vaubyessard, olhava a charuteira de seda verde que teria sido oferecida ao Visconde por uma amante, a via nitidamente "entre vasos de flores e os relógios Pompadour" e ajudada pelo mapa de Paris, distinguia "o mundo dos embaixadores, a sociedade das duquesas e a multidão dos homens de letras e das atrizes...".
REALIDADE VIRTUAL
Em outras palavras, Emma não diferenciava a realidade do sonho ou do devaneio. Não havia separação nítida entre os dois mundos. Como o psicótico, parecia confundir a realidade com a alucinação. Dentro da ficção, o luxo dos detalhes comprovava a indistinção entre os registros da realidade ou do sonho. Estamos longe do realismo e próximos da realidade virtual flaubertiana. O narrador esquece a história "realista" e deixa-se levar por detalhes gratuitos, insignificantes, imprevisíveis e arbitrários que traduzem uma opção "não romanesca", pouco normativa e quase inadaptável ao cinema em sua totalidade. O acessório toma conta da beleza da escritura e ilustra esse projeto de não dizer nada, que "inaugura a experiência literária moderna". Flaubert não representa o realismo prosaico e rude de Champfeury ou de Courbet, mas a modernidade, se entendermos por este termo a anulação da história em proveito da escritura.
continua na próxima postagem......
Extraído de "Caderno de Sábado"
Jornal da Tarde
Data: Sábado - 22/5/93
Jornal da Tarde pertencia ao "O ESTADO DE SÃO PAULO"
Em outras palavras, Emma não diferenciava a realidade do sonho ou do devaneio. Não havia separação nítida entre os dois mundos. Como o psicótico, parecia confundir a realidade com a alucinação. Dentro da ficção, o luxo dos detalhes comprovava a indistinção entre os registros da realidade ou do sonho. Estamos longe do realismo e próximos da realidade virtual flaubertiana. O narrador esquece a história "realista" e deixa-se levar por detalhes gratuitos, insignificantes, imprevisíveis e arbitrários que traduzem uma opção "não romanesca", pouco normativa e quase inadaptável ao cinema em sua totalidade. O acessório toma conta da beleza da escritura e ilustra esse projeto de não dizer nada, que "inaugura a experiência literária moderna". Flaubert não representa o realismo prosaico e rude de Champfeury ou de Courbet, mas a modernidade, se entendermos por este termo a anulação da história em proveito da escritura.
continua na próxima postagem......
Extraído de "Caderno de Sábado"
Jornal da Tarde
Data: Sábado - 22/5/93
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
PRIMEIRA HISTÉRICA DA LITERATURA (01)
A PRIMEIRA HISTÉRICA DA LITERATURA
*Por Philippe Willemart
*Por Philippe Willemart
O lançamento do filme de Claude Chabrol e de uma nova tradução do livro que consagrou Flaubert, em 1856, é uma ocasião propícia para rever a posição crítica do autor no clima literário da época e desfazer-se de alguns clichês que cercam sua primeira heroína. O bovarismo enraizado em nossa cultura, tornou-se referência para caracterizar um comportamento feminino que se resume em "fugir no sonho da realidade da vida". A ideia de que Flaubert era mentor do Realismo continua percorrendo os manuais de história literária. No entanto, uma leitura atenta do texto e da correspondência entre o escritor e Louise Colet desfaz em parte os dois clichês. Gustave Flaubert lutou toda sua vida contra a estupidez e a burrice. O Dicionário das Ideias Feitas que relata as tolices que circulavam na língua francesa, revela, de fato um saber que guiava a época na sua vida cotidiana. Nesse sentido, Madame Bovary inicia oficialmente essa luta. O subtítulo, Costumes de Província, ilustra a vontade de descrever este estilo de vida transmitido através de todas as personagens que constituem uma microssociedade do século XIX, movida pela tolice, à qual se opõe Emma. Entretanto, o desejo "realista" de descrever a província não se averigua nas entrelinhas do texto. As intervenções do narrador indicam um contraponto satírico, para não dizer negativo, em relação às personagens. As roupas dos convidados no casamento de Emma são descritas minunciosamente, mas entrecortadas de comparações e comentários: "boas casacas, rodeadas de todas as considerações de uma família/.../ sobrecasacas /.../ de bolsos largos como sacos/.../ tendo nas costas dois botões aproximados como dois olhos e cujas abas pareciam ter sido cortadas diretamente, com um só golpe, pelo machado de um carpinteiro".
continua na próxima postagem.....
Texto extraído de: CADERNO DE SÁBADO
JORNAL DA TARDE
Data: Sábado - 22/5/93
JORNAL DA TARDE pertencia ao "O ESTADO DE SÃO PAULO"
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